Dr. Moustafa Mould, ex-judeu, EUA (parte 3 de 5)
Descrição: Depois de uma jornada espiritual de quase 40 anos, um linguista judeu de Boston encontra o Islã na África. Parte 3.
- Por Dr. Moustafa Mould
- Publicado em 26 Jan 2015
- Última modificação em 26 Jan 2015
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Voltei para casa passando pelo Oriente Médio e Europa, mas fiz questão de parar em Israel. Foi em 1969. Não era mais sionista, mas mesmo assim fiquei surpreso com meu desapontamento. Sei que parte foi um choque cultural de deixar uma cidade pequena de um país africano, pessoas e um emprego que amava, mas ainda assim, fiquei surpreso com a maneira brusca e a arrogância dos israelenses que encontrei - muito parecido com o estereótipo americano dos franceses. Partindo de uma perspectiva arqueológica e histórica, foi uma boa experiência. Mas não consegui superar o quanto me senti alienado da cultura e das pessoas que supostamente deveriam ser meu povo.
Recusei-me por princípio a visitar a Cisjordânia - isso foi antes de começarem a construir os assentamentos - exceto por Jerusalém oriental. Não pude resistir. De pé no muro do templo de Salomão, o Domo da Rocha e Al-Aqsa me deram um sentimento intenso que não pude descrever na época. Posso descrevê-lo agora: era um sentimento de santidade. Não é de admirar que o nome islâmico seja Al-Quds (O Sagrado). Mas me incomodou muito ver em primeira mão a discriminação e o status de segunda classe dos palestinos, mesmo os com cidadania. Tinha crescido em uma subcultura americana em que judeus tinham sempre estado na vanguarda dos direitos civis, trabalhistas e lutas pelas liberdades civis. Para mim, o que encontrei em Israel não era judaico.
Os próximos dez anos, 1969 a 1979, passei em Los Angeles. Perdi 1968, um dos anos mais importantes e turbulentos na história moderna americana. Embora não estivesse surpreso, fiquei muito desapontado no meu retorno aos EUA. Os negros estavam se separando dos brancos por escolha. A entidade Estudantes para uma Sociedade Democrática tinha se transformado em um bando de maoístas delirantes e a liberdade de expressão estava degenerando para um discurso sujo. Não conseguia ser político novamente, exceto por uma passeata ocasional contra a guerra ou Nixon. Era ao mesmo tempo atraído e repelido pelo hedonismo dos anos 1970 na Califórnia. Fiquei tentado a ceder e sem convicção o fiz, mas graças a Deus, por conta de minha fitrah e minha boa educação familiar judaica, não fui muito longe. O máximo que fiz foi deixar o cabelo e a barba crescerem. Estava muito absorvido em meus estudos, obtendo meu doutorado, ensinando, casando e então divorciando e em busca de uma posição acadêmica decente.
Duas coisas durante aquela década são relevantes para essa história. Brevemente, o governo do Likud em Israel, a construção de assentamentos e o tratamento brutal dos palestinos, sem mencionar sua aliança com a África do Sul, me revoltaram e enfureceram e me transformaram de um não sionista em um ativo antissionista. Pior para mim era o apoio automático da comunidade judaica americana, que pensei que se oporia ao Likud, ao menos de forma silenciosa. Não tínhamos concordado alguns anos antes que Begin e sua corja eram lunáticos?!
Muitos dos colonos entrevistados nos noticiários da TV obviamente eram judeus americanos. Como podiam ter crescido nesse país com esses valores americanos - e judaicos - passar pela revolução dos direitos civis e fazer o que estavam fazendo lá? Havia mais oposição judaica em Israel do que havia nos EUA. Senti-me traído, envergonhado, enojado. Havia, claro - e há - outros judeus que se sentiam como eu, principalmente os de esquerda, mas somente uns poucos se manifestavam. I.F. Stone, um jornalista radical e um dos meus heróis era notável, assim como Noam Chomsky, cujos escritos políticos sobre a guerra do Vietnã e a Palestina eram tão revolucionários quanto sua teoria de linguística.
Em 1979, recém-divorciado, incapaz de conseguir uma posição titular e sentindo saudades da África, retornei como professor assistente de linguística na universidade de Nairóbi. Meu pai tinha acabado de falecer poucos meses antes de minha partida. Fiquei amigo de vários membros da faculdade, particularmente do presidente do meu departamento e de um professor de história, ambos muçulmanos de Mombasa, e do professor de árabe, meu vizinho de porta sudanês. Frequentemente almoçávamos juntos no refeitório da faculdade e, por respeito a eles (e por embaraço, porque sabia que eles sabiam que era judeu), nunca comia porco quando estava com eles. Pouco depois parei completamente de comer porco. Com frequência discutíamos o Oriente Médio, Islã e Judaísmo e ficava agradavelmente surpreso ao ver que podiam ser anti-Israel sem serem anti-judeus. Eles ficavam surpresos que eu pudesse ser judeu e anti-Israel.
Com mais tempo livre decidi colocar em dia minha lista de leitura que crescia a cada dia. Reli a Bíblia: o Velho Testamento para esclarecer alguma confusão sobre cronologia na história antiga e também o Novo Testamento, porque nunca o tinha lido. Também reli o Alcorão. Até então não sabia nada do início da história islâmica. Sirah ou Hadith, mas o apreciei mais desta vez. Entretanto, tive aquela reação novamente. Por que tem que ser tão crítico dos judeus? Mas com minha memória refrescada recentemente, lembrei que o próprio Torá e o resto do Velho Testamento são igualmente críticos, ou até mais críticos, do que o Alcorão. Mas os judeus não tinham finalmente aprendido a lição se tornado verdadeiramente o Povo do Livro quando foram expulsos de Israel e de Jerusalém pela segunda vez, quando os rabinos, sinagogas e orações substituíram os sacerdotes, o templo e os sacrifícios? O que era isso então sobre os judeus de Medina? Eram claramente repreensíveis, mas soavam muito diferente de nós, judeus europeus, e até mesmo dos judeus sefaraditas do tempo dos califas. Será que eles, como os judeus da Etiópia e da China, não tinham o Talmude? Continuava curioso a respeito. De qualquer forma, aquela percepção posteriormente provou ser uma barreira removida.
Uma pessoa sábia um dia disse que se sua fé é fraca, apenas finja que tem fé e isso a fortalecerá. Os africanos, cristãos, muçulmanos ou pagãos, são um povo espiritual. Ser um ateu é incompreensível e ridículo para eles. Sabendo disso, nunca disse que era ateu quando questionado - como constantemente era - sobre minha religião. Respondia que, claro, acreditava em Deus, um Deus único, mas não em uma religião em particular. Era quase verdade ou, pelo menos, queria acreditar que fosse. Não posso dizer que tive um clarão repentino de inspiração como Paulo em sua estrada para Damasco, ou uma experiência de quase-morte (na realidade tive duas, mas sem efeito religioso). Parece-me que, apenas por dizer e fingir, ela gradualmente voltou.
Tornei-me um deísta, como outro herói meu, Thomas Jefferson. Talvez pudesse me filiar à Igreja Unitária, um grupo popular, especialmente em New England, que aceita Jesus como um profeta e inclui muitos intelectuais liberais que eram judeus e cristãos trinitários.
Outro fator que contribuiu foi ter começado a fazer parte na época do coro/orquestra sinfônica de Nairóbi. Era um grupo amador, mas eles eram excelentes. Tinha ido com alguns amigos a um concerto deles de Páscoa para ouvi-los cantar o Réquiem de Mozart - música para missa de um funeral. Aquela música, intensamente religiosa, era maravilhosa, sublime e inspiracional. Não foi apenas a beleza da música, embora fosse a parte principal, mas a mensagem - glorificar Deus, falar de morte, ressurreição, Juízo Final e vida eterna - que me levou às lágrimas. No dia seguinte me inscrevi para cantar no coro.
Pelos três anos seguintes cantei outras obras-primas: missas, réquiens, oratórios - Beethoven, Brahms, Bach, Verdi. Todas são cristãs e algumas fazem referência a Jesus como divino, mas aquelas palavras não tinham efeito sobre mim. Estava apenas ajudando a fazer uma bela música. Mas as partes que falavam de Deus me tocaram profundamente e me ajudaram a gradualmente recuperar minha fé e crença Nele. É claro que hoje não cantaria coisas como "Sei que meu redentor viveu".
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