Jeremy Ben Royston Boulter, ex-cristão, Reino Unido (parte 3 de 7)
Descrição: Islã evoluindo no coração. Parte 3.
- Por Jeremy Ben Royston Boulter
- Publicado em 10 Nov 2014
- Última modificação em 09 Nov 2014
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Um Novo Começo
Quando meus amigos souberam que estava indo para o Golfo, fui inundado com avisos. Disseram que não teria nada para fazer na Arábia Saudita e me sentiria restrito. Fui avisado que poderia ser enganado e tratado como um escravo. A cultura não era produtiva e eu choraria de tédio. Entretanto, sabia que era minha saída e, como sempre faço quando vou para um lugar ou cultura diferente do meu, tentei abandonar meus preconceitos culturais e planejei testar a sociedade da qual faria parte por seus méritos.
Fui agradavelmente surpreendido na chegada ao notar a amabilidade geral que recebi dos sauditas. Ao invés da distância arrogante, ética questionável e honra sensível que esperava, fui saudado com afabilidade, curiosidade e portas abertas. Meus hóspedes fizeram de tudo para me agradar, um estranho em sua terra. Não que não tenha encontrado uma parcela justa de hipocrisia. Os estrangeiros do Paquistão, Bangladesh e outros países do Extremo Oriente eram seriamente explorados e tratados injustamente, aos meus olhos, pela maioria árabe. Mas não vi nenhuma dessas condescendências quando aplicaram sua sociedade a mim. Entretanto, não foi sua cultura ou sociedade que me atraíram ao Islã. De fato, se fosse julgar o Islã pela cultura, teria ido na direção oposta, acho. Foi outra coisa.
A Motivação
O ímpeto ou catalisador que me modificou de vagamente religioso a totalmente submisso a Deus começou com um evento aparentemente inócuo. Ao descer em solo saudita cedo pela manhã pela segunda vez (em 24 horas) no Aeroporto Ha’il, um aeródromo pequeno e provinciano, ao invés de um terminal de passageiros plenamente equipado, fui confrontado com uma grande placa verde com as palavras "Escritório de Orientação e Propagação Islâmica Ha’il", seguido de um número de telefone em inglês. Lembro-me de ter ficado surpreso que a placa estivesse em inglês, mas não prestei muita atenção.
A picape da universidade chegou e me levou a universidade, onde meu passaporte foi checado e preenchi um formulário de chegada. Então fui enviado para o chefe do departamento de Inglês. Quando entrei no escritório dele, fui confrontado com um homem em vestimentas sauditas. Mas não parecia um árabe, para meu olho não treinado. Ele deve ter se sentido um pouco desconfortável por eu estar olhando fixo para ele, tentando entender suas origens, mas ele lidou bem com a situação. Mais tarde descobri que ele era britânico e tinha se convertido em Brunei, antes de vir para a Arábia Saudita. Disse-me que eu tinha o resto da semana para me acomodar, o que significava que tinha cinco dias antes de começar oficialmente a ensinar. Fui enviado de volta para o homem encarregado da recepção de pessoal e alojamento, que me levou na picape para escolher meu espaço. Logo que me acomodei, constatei que não tinha nada para fazer e quatro dias pela frente. Então, com a memória da aparência estranha do "não saudita" ainda em minha mente, lembrei da placa em inglês e comecei a pensar na religião do país.
Agora sabia que a Bíblia[1] e o Torá[2] eram parte dela. Tinha lido alguns dos livros dos hindus, o Bhagwad Gita[3], e também li livros práticos de outras teorias religiosas e não religiosas sobre religião. Entretanto, nunca tinha lido o Talmude[4] e nem qualquer dos livros dos muçulmanos, que sabia que chamavam de Alcorão[5]. De alguma forma tinha sempre tido a impressão que esses dois livros estavam "fora do alcance" de não judeus e não muçulmanos. E tinha pensado que eram exclusivamente em idiomas semitas, que não conhecia. Entretanto, a placa em inglês me fez pensar que talvez pudesse encontrar uma tradução em inglês do Alcorão em árabe no instituto. Talvez fosse uma oportunidade de lê-lo e julgar a fonte da religião por mim mesmo.
Imediatamente parti para o centro da cidade para procurar o local. O centro de Ha’il tinha um bloco de escritórios de seis andares que chamavam de Al-Bourj, que significa "a torre", o único edifício alto na cidade. A estrada que caminhei passava logo atrás dele, à esquerda, terminando no shopping. Do lado direito do lado oposto da estrada o bourj era o mercado de legumes, que depois vim a saber também servia como local de execução. Onde minha estrada e a via principal se cruzavam no bourj, encontrei a mesma placa que tinha visto no aeroporto. Estava convenientemente escrita em uma placa de sinalização que apontava na direção diagonal do outro lado da rua, mas olhando para as fachadas das lojas, todas em letras árabes que era incapaz de ler, não consegui identificar o local. As lojas estavam todas fechadas por ser de tarde e não pude fazer perguntas. Não tinha ideia de quando as lojas abririam novamente e decidi ir para meu novo lar, comprar alguns suprimentos, descansar e tentar novamente pela manhã.
O dia seguinte era terça-feira e fui novamente para a cidade assim que tomei o café da manhã. No caminho passei por várias livrarias e ciente de como tinha sido difícil achar o escritório de propagação, parei em todas. Nenhuma delas tinha livros em inglês, muito menos o Alcorão e, tanto quanto pude entender, me direcionaram para o bourj. Dessa vez fiquei logo abaixo da placa e esperei até que um policial viesse na motocicleta. Quando ele passou do outro lado da estrada, acenei para ele como um louco. Ele cruzou a estrada e parou sua motocicleta no começo do mercado de legumes. Eu o chamei e usando gestos consegui transmitir o que queria saber. Ele apontou para o outro lado da estrada e, quando ainda assim não conseguia ver, para o telhado de uma casa onde havia uma cópia da placa que tinha visto no aeroporto. Como me senti estúpido. Fixei meus olhos nas placas acima das fachadas das lojas e o lugar estava bem na minha cara! Finalmente encontrei meu alvo e fui para as lojas abaixo dele, encontrando uma livraria cheia de pessoas de todo o sudeste da Ásia e Oceania. Considerei que a livraria pertencesse ao centro.
O Encontro
Como disse antes, a livraria estava cheia de gente e os livros eram em muitos idiomas diferentes, mas era muito tímido para perguntar algo e ser mal compreendido. Não conseguia falar nenhuma daquelas línguas. Olhando pelas prateleiras não vi edições volumosas e todos os títulos em inglês pareciam ser sobre Jesus ou explicações de áreas religiosas particulares. Notei que havia algumas escadas nos fundos próximo à caixa registradora da loja, levando ao próximo andar. O policial tinha me indicado que os escritórios do Centro de Orientação eram no andar de cima e, então, na vaga esperança de que pudesse encontrar uma sala de leitura ou algo assim, subi as escadas nos fundos da livraria, sorrindo para as pessoas por estar consciente de minhas limitações com a língua.
No topo das escadas havia uma enorme sala vazia que parecia uma sala de reunião. Junto a ela encontrei uma sala que tinha uma mesa enorme em seu centro e prateleiras em todo o redor, mas apenas pouquíssimos livros desgastados - talvez aquela sala de leitura pela qual tinha ansiado. Infelizmente os livros eram todos em idiomas estrangeiros - letras estrangeiras que não conseguia ler. Comecei a me desesperar em encontrar algo que queria por conta própria ou obter o que queria em uma terra que não falava minha língua. Felizmente um dos funcionários do escritório me perguntou o que eu queria ou que estava fazendo lá, ou algo dessa natureza (ele falou em seu idioma, que não pude entender). Respondi em inglês, dizendo que estava procurando por uma cópia do Alcorão para ler. Ele indicou que eu devia esperar, porque traria alguém. Então, esperei. Talvez uma solução estivesse a caminho.
Um homem alto e de barba entrou na sala em que eu aguardava. Passei a conhecê-lo depois como irmão Abu Abdurrahman, meu professor e mentor, mas na época, era apenas outro "saudita" que podia ser capaz de me ajudar a obter o que queria. Perguntou-me em inglês o que eu queria e disse a ele que queria ler o Alcorão.
"Por que você quer fazer isso?", me perguntou ele.
"Quero compará-lo com a Bíblia." Respondi.
"Por quê?"
"Você sabe, ver se é parecido."
"Você quer conhecer o Islã?"
"Bem, sim, suponho."
"Por que não lê esse panfleto?" Disse ele, me mostrando um panfleto que dizia "Quem é Deus?" Não queria saber a visão islâmica de teologia ou religião. Não era atrás disso que estava. Queria olhar a escritura, compará-la com o que estava na Bíblia.
"Não. Mas quero de fato ler sobre o Islã. Quero o livro," disse.
"Sério? É melhor se ler mais sobre a religião antes", insistiu.
"Não estou interessado na religião em si" disse, tentando não ofender. "Só quero ler o livro."
"O livro não é um jogo", disse ele.
"Não estou jogando", disse. "Estou seriamente interessado no que ele diz."
"Ok. Verei o que posso fazer", disse ele, concordando. Agradeci e ele saiu da sala.
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