Charles Le Gai Eaton, Ex-Diplomata Britânico (parte 3 de 6)

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Descrição: A busca pela verdade de um filósofo e escritor, enfrentada com uma batalha interna constante para harmonizar crença e ação. Parte 3: Sabedoria na mente sem a penetração de substância humana e a descoberta de Deus.

  • Por Gai Eaton
  • Publicado em 08 Apr 2013
  • Última modificação em 08 Apr 2013
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De Charterhouse fui para Cambridge, onde negligenciei meus estudos oficiais que pareciam triviais e entediantes, a favor de estudar somente o que importasse.  O ano era 1939. A guerra tinha começado pouco antes de eu ir para a universidade e, em dois anos, estaria no exército.  Parecia provável, no fim das contas, que os alemães teriam sucesso em matar-me como sempre pensei que teriam.  Tinha pouco tempo para encontrar as respostas para as perguntas que continuavam a me obcecar, mas isso não me atraiu para nenhuma religião organizada.  Como a maioria de meus amigos, desdenhava as igrejas e todos que apenas falavam de um Deus que não conheciam, mas logo fui obrigado a moderar essa hostilidade.  Lembro-me da cena claramente depois de mais de meio século.  Alguns de nós ficamos um pouco mais, bebendo café, depois da refeição noturna no salão do Kings College.  A conversa voltou-se para religião.  Na cabeceira da mesa sentou um aluno que era universalmente admirado por seu brilhantismo, inteligência e sofisticação.  Na expectativa de admirá-lo e tirando vantagem de um breve silêncio, disse: “Nenhuma pessoa inteligente hoje em dia acredita no Deus da religião!” Ele olhou para mim de forma triste antes de responder: “Pelo contrário, hoje em dia pessoas inteligentes são somente aquelas que acreditam em Deus”. Eu quis desaparecer debaixo da mesa.

Tinha, entretanto, um sábio amigo, um homem quarenta anos mais velho, que considerava totalmente convincente.  Era o escritor L.H.Myers, descrito na época como “o único romancista filosófico que a Inglaterra produziu”.  Seu trabalho mais importante ‘The Root and the Flower’ (“A Raiz e a Flor”, em tradução livre) não só respondeu a muitas dessas questões que me atormentavam, mas transmitiu um senso maravilhoso de serenidade com compaixão.  Parecia-me que aquela serenidade era o maior tesouro que alguém podia possuir nessa vida e aquela compaixão era a maior virtude.  Aqui, certamente, estava um homem que nenhuma tempestade abalava e que pesquisou o redemoinho da existência humana com o olho da sabedoria.  Escrevi para ele, que respondeu prontamente.  Pelos próximos três anos correspondemo-nos pelo menos duas vezes ao mês.  Abri meu coração para ele enquanto que ele, convencido de que finalmente tinha encontrado nesse jovem admirador alguém que verdadeiramente o entendia, respondia no mesmo estilo.  Finalmente nos encontramos e isso cimentou nossa amizade.

Ainda assim as coisas não eram como pareciam.  Comecei a detectar em suas cartas uma nota de tormento, tristeza e desilusão internos.  Quando lhe perguntei se tinha posto toda sua serenidade em seus livros, não deixando nada para si mesmo, ele respondeu: “Acho que seu comentário foi perspicaz e provavelmente verdadeiro.”  Tinha dedicado toda sua vida à busca de prazer e de “experiências” (sublimes e sórdidas, como ele mesmo disse).  Poucas mulheres, na alta ou baixa sociedade, tinham sido capazes de resistir à sua estonteante combinação de riqueza, charme e boa aparência. Ele de seu lado, não tinha razão para resistir às seduções delas.  Fascinado pelo espiritualismo e misticismo, não aderiu a nenhuma religião e não obedeceu a nenhuma lei moral convencional.   Agora sentia que estava envelhecendo e não conseguia enfrentar a possibilidade.  Tinha tentado modificar-se e até arrepender-se de seu passado, mas era muito tarde.  Pouco mais de três anos após nossa correspondência ter começado, cometeu suicídio.

Minha afeição por ele resistiu e, no devido tempo, dei o nome dele ao meu filho mais velho, mas a morte de Leo Myers me ensinou mais do que eu jamais poderia ter aprendido em seus livros, embora tenham sido necessários alguns anos para que eu entendesse seu significado pleno.  Sua sabedoria tinha estado apenas em sua cabeça.  Nunca havia penetrado sua substância humana.  Um homem podia passar uma vida lendo livros espirituais e estudando os escritos dos grandes místicos.  Podia sentir que penetrou os segredos dos céus e da terra, mas a menos que seu conhecimento seja incorporado à sua natureza e lhe transformado, foi estéril.  Comecei a suspeitar que um simples homem de fé, orando a Deus com pouco entendimento, mas de todo o coração, podia valer mais que a maioria dos estudantes instruídos das ciências espirituais.

Myers tinha sido profundamente influenciado por um estudo do Vedanta, a doutrina metafísica no centro do Hinduísmo.  O interesse de minha mãe em raja ioga já tinha me apontado essa direção.  O Vedanta tornara-se meu principal interesse e, no fim, o caminho que me levou ao Islã.  Isso pode parecer chocante para a maioria dos muçulmanos e surpreendente para quem estiver ciente de que a base do Islã é uma condenação inflexível da idolatria e, ainda assim, o meu caso não é de forma alguma único.  Quaisquer que possam ser as crenças das massas hindus, o Vedanta é uma doutrina de unidade pura, da Realidade única e, portanto, do que no Islã é chamado de Tawhid.  Os muçulmanos, mais que os outros, deviam ter pouca dificuldade no entendimento de que uma doutrina de Unidade perpassa todas as religiões que têm alimentado a humanidade desde o início, independente das ilusões idólatras que possam ter sobrepujado “a joia no lótus”, assim como, no indivíduo, a idolatria pessoal se sobrepõe ao âmago do coração.  Como poderia ser diferente, uma vez que o Tawhid é a Verdade e, nas palavras de um grande místico cristão, “a Verdade é inerente ao homem”?

Logo meu período em Cambridge terminou e fui enviado para o Royal Military College, em Sandhurst, emergindo depois de cinco meses como um jovem oficial supostamente pronto para matar ou ser morto.  Para aprender mais sobre as artes da guerra fui despachado, no que era chamado de “anexo”, para um regimento no norte da Escócia.  Aqui fui deixado por minha própria conta e ocupei meu tempo lendo ou caminhando nas montanhas de granito sobre o intenso mar do norte.  Era um lugar de tempestades, mas senti-me em paz como nunca tinha acontecido antes.  Quanto mais lia o Vedanta e também a antiga doutrina chinesa do Taoísmo, mais certo estava de que finalmente tinha algum entendimento da natureza das coisas e tinha vislumbrado, nem que fosse apenas em pensamento e imaginação, a Realidade última, ao lado da qual tudo era pouco mais que um sonho.  Ainda assim não estava preparado para chamar essa Realidade de “Deus”, menos ainda de Allah.

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