Hajj – A Jornada de Uma Vida (parte 2 de 2): Os Rituais de Abraão
Descrição: Um quinto da humanidade compartilha uma mesma aspiração: completar, pelo menos uma vez na vida, a jornada espiritual chamada de Hajj. Parte Dois: A procissão de Arafah até o último dos Rituais, e um Hajj aceito pelo Todo-Poderoso.
- Por Nimah Ismail Nawwab (editado por M. Abdulsalam)
- Publicado em 04 Jan 2009
- Última modificação em 07 Jan 2009
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Logo após o pôr-do-sol, a massa de peregrinos prossegue para Muzdalifah, uma planície aberta a meia distância entre Arafat e Mina. Lá eles primeiro oram e então coletam um número fixo de pedras pequenas para usar nos dias seguintes.
Antes do nascer do terceiro dia, os peregrinos se movem em massa de Muzdalifah para Mina. Lá eles jogam as pedras que coletaram previamente em pilares brancos, uma prática associada com o Profeta Abraão. Enquanto os peregrinos jogam sete pedras em cada um desses pilares, eles relembram a estória da tentativa de Satanás em persuadir Abraão a desconsiderar a ordem de Deus de sacrificar o seu filho.
Jogar as pedras é uma tentativa simbólica dos humanos de rejeitar o mal e o vício, não apenas uma vez, mas sete vezes – sendo que o número sete simboliza a infinidade.
Após jogar as pedras, a maioria dos peregrinos sacrifica uma cabra, ovelha ou algum outro animal. Eles dão a carne para os pobres após, em alguns casos, reservarem uma pequena parte para si mesmos.
Esse ritual está associado com a disposição de Abraão em sacrificar seu filho de acordo com o desejo de Deus. Simboliza a disposição do muçulmano de se afastar do que lhe é caro, e nos relembra do espírito do Islã, no qual a submissão à vontade de Deus desempenha um papel preponderante. Esse ato também relembra o peregrino de compartilhar os bens terrenos com aqueles menos afortunados, e serve como uma oferta de gratidão a Deus.
Como a esse ponto os peregrinos já terminaram a maior parte do hajj, lhes é permitido agora tirar o seu ihram e colocar roupas do dia a dia. Nesse dia os muçulmanos em todo o mundo compartilham a felicidade que os peregrinos sentem e se unem a eles realizando sacrifícios individuais idênticos, em uma celebração mundial de ‘Eid al-Adha, “a Festa do Sacrifício.” Os homens ou raspam suas cabeças ou aparam seus cabelos, e as mulheres cortam um cacho simbólico, para marcar a sua desconsagração parcial. Isso é feito como um símbolo de humildade. Todas as proscrições, exceto a de ter relações conjugais, são revogadas.
Após a viagem a Mina os peregrinos visitam Meca para realizar um outro ritual essencial do hajj: o tawaf, circundar sete vezes a Caaba, com uma oração recitada durante cada circuito. Sua circumbulação da Caaba, o símbolo da unicidade de Deus, implica que todas as atividades humanas devem ter Deus como o seu centro. Também simboliza a unidade de Deus e homem.
Thomas Abercrombie, um convertido ao Islã e escritor e fotógrafo para a revista National Geographic, realizou o hajj nos anos 70 e descreveu o sentido de unidade e harmonia que os peregrinos sentem durante a circumbulação:
“Nós circulamos em volta do santuário sete vezes repetindo as devoções rituais em árabe: ‘Senhor Deus, de uma terra distante eu vim para Ti... Conceda-me abrigo sob o Teu trono.’ Envolvidos no redemoinho, elevados pela poesia das orações, nós orbitamos a casa de Deus de acordo com os átomos, em harmonia com os planetas.”
Enquanto fazem seus circuitos os peregrinos podem beijar ou tocar a Pedra Negra. Essa pedra oval, primeiro engastada em uma moldura de prata no século dezessete, tem um lugar especial nos corações dos muçulmanos já que, de acordo com alguns hadiths, é a única remanescente da estrutura original construída por Abraão e Ismael. Mas talvez a razão mais importante para beijar a pedra seja que o Profeta assim o fez.
Nenhum tipo de significância devocional está ligado à pedra, porque ela não é, e nem nunca foi, um objeto de adoração. O segundo califa, Umar ibn al-Khattab, deixou bem claro quando ele próprio, ao beijar a pedra em imitação ao Profeta, proclamou:
“Eu sei que tu não és nada exceto uma pedra, incapaz de fazer bem ou mal. Se eu não tivesse visto o Mensageiro de Deus beijar-te – que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele – eu não te beijaria.”
Após completar o tawaf, os peregrinos oram, preferivelmente na Estação de Abraão, o local onde Abraão ficou enquanto construía a Caaba. Então eles bebem da água de Zamzam.
Um outro, e às vezes final, ritual é o sa’y, ou “empenho.” É uma reconstituição de um episódio memorável na vida de Hagar, que foi levada para o que o Alcorão chama de “vale incultivável” de Meca, com seu filho bebê Ismael, para se estabelecer lá.
O sa’y comemora a busca frenética de Hagar por água, para saciar a sede de Ismael. Ela correu de um lado para outro sete vezes entre dois montes rochosos, al-Safa e al-Marwah, até encontrar a água sagrada conhecida como Zamzam. Essa água, que jorrou milagrosamente sob os pequenos pés de Ismael, saiu do mesmo poço de onde os peregrinos bebem hoje.
Com todos esses rituais executados, os peregrinos estão completamente desconsagrados: eles podem retomar todas as atividades normais. Eles agora retornam à Mina, onde ficam até o décimo segundo ou décimo terceiro dia de Dhu al-Hijjah. Lá eles jogam as pedras remanescentes em cada um dos pilares de uma forma praticada ou aprovada pelo Profeta. Então eles se despedem dos amigos que fizeram durante o Hajj. Antes de deixarem Meca, entretanto, os peregrinos fazem um tawaf final em torno da Caaba para se despedirem da Cidade Sagrada.
Geralmente os peregrinos, antes ou depois do hajj, “a peregrinação maior,” fazem a umrah, “a peregrinação menor,” que é sancionada pelo Alcorão e foi realizada pelo Profeta. A umrah, ao contrário do hajj, acontece apenas em Meca e pode ser realizada em qualquer época do ano. O ihram, talbiyah, e as restrições exigidas pelo estado de consagração são igualmente essenciais na umrah, que também compartilha três outros rituais com o hajj: o tawaf, sa’y e raspar ou cortar o cabelo. A observância da umrah pelos peregrinos e visitantes simboliza a veneração pela santidade única de Meca.
Antes ou após ir a Meca, os peregrinos também se beneficiam da oportunidade fornecida pelo hajj ou umrah para visitar a Mesquita do Profeta em Medina, a segunda cidade mais sagrada no Islã. Aqui, o Profeta está enterrado em um túmulo simples. A visita à Medina não é obrigatória, e não é parte do hajj ou umrah, mas a cidade – que deu as boas vindas a Muhammad quando ele imigrou para lá vindo de Meca – é rica em memórias comoventes e locais históricos que o evocam como um Profeta e chefe de estado.
Nessa cidade, amada pelos muçulmanos por séculos, as pessoas ainda sentem o efeito da vida do Profeta. Muhammad Asad, um judeu austríaco que se converteu ao Islã em 1926 e fez cinco peregrinações entre 1927 e 1932, comenta sobre esse aspecto da cidade:
“Mesmo após treze séculos a presença espiritual [do Profeta] está quase tão viva aqui quanto estava então. Foi apenas por causa dele que um grupo disperso de aldeias antes chamadas de Yathrib se tornou uma cidade e tem sido amada por todos os muçulmanos até esse dia, como nenhuma outra cidade em outro lugar do mundo jamais foi. Ela não tem nem um nome seu: por mais de treze séculos tem sido chamada de Madinat an-Nabi, ‘a Cidade do Profeta.’ Por mais de treze séculos, tanto amor convergiu para cá que todas as formas e movimentos adquiriram um tipo de semelhança familiar, e todas as diferenças de aparência encontram uma transição tonal em uma harmonia comum.”
Quando os peregrinos de diversas raças e línguas retornam para suas casas, eles carregam consigo caras memórias de Abraão, Ismael, Hagar e Muhammad. Eles sempre se lembrarão do concurso universal, onde pobres e ricos, negros e brancos, jovens e velhos, se encontram em pé de igualdade.
Eles retornam com um senso de reverência e serenidade: reverência por sua experiência em Arafat, quando se sentiram mais próximos de Deus enquanto ficavam no local onde o Profeta fez o seu sermão durante a primeira e última peregrinação; serenidade por terem deixado seus pecados naquela planície, e estarem, portanto, aliviados desse pesado fardo. Eles também retornam com uma melhor compreensão das condições de seus irmãos no Islã. Assim nasce um espírito de cuidado pelos outros e uma compreensão da sua rica herança que durará o resto de suas vidas.
Os peregrinos voltam radiantes com esperança e alegria, porque cumpriram a antiga injunção de Deus para a humanidade de fazer a peregrinação. Acima de tudo, eles retornam com uma oração em seus lábios: Que isso agrade a Deus, eles oram, para que seu hajj seja aceito, e que o que o Profeta disse seja verdadeiro em relação a suas próprias jornadas individuais:
“Não existe outra recompensa para um peregrino devoto que não seja o Paraíso.” (Al-Tirmidhi)