Literacia no Islã (parte 1 de 3): Livros em Bagdá
Descrição: Nem mesmo a guerra e a ocupação podem apagar o legado de literacia de Bagdá.
- Por Aisha Stacey (© 2013 IslamReligion.com)
- Publicado em 03 Jun 2013
- Última modificação em 25 Nov 2013
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Bagdá foi atingida por uma série de explosões. A cidade foi atacada pela violência. Bagdá equivale a caos, morte e destruição. Bagdá é uma cidade que está gritando de dor e morrendo na nuvem de fumaça. Enquanto assistimos a grande confusão nas telas de nossas televisões, é difícil imaginar que Bagdá já foi um grande centro de aprendizado. Bagdá e os livros foram sinônimos por centenas de anos. Estantes de livros se alinham nas casas e livreiros se alinham nas ruas de Bagdá. Mesmo hoje, entre os escombros e o pandemônio os residentes de Bagdá procuram livros para comprar. “É uma antiga doença no Iraque - as pessoas gastam seu dinheiro em livros, não em comida”, brinca um tradutor iraquiano para a NBC News[1].
No período em que a história ocidental foi chamada de Idade das Trevas, começou a história de amor entre Bagdá e os livros. Em uma época na qual as igrejas em toda a Europa se consideravam afortunadas por ter uma biblioteca que consistia de vários livros, havia uma rua em Bagdá com mais de 100 lojas, cada qual vendendo livros, material de papelaria ou ambos. Em todo o mundo ocidental a literacia era restrita aos ricos ou autoridades religiosas, mas em Bagdá as pessoas tinham acesso a mais de 30 bibliotecas.
Duzentos anos após a morte do profeta Muhammad a pequena nação islâmica se transformou em um império, que se estendeu do Norte da África a Arábia, da Pérsia ao Uzbequistão e chegou às fronteiras da Índia e além. Por volta do ano 750 EC, Bagdá, a cidade construída nas margens do rio Tigre, foi estabelecida como a capital do império islâmico. Sua localização a conectou a países tão longínquos como a China e Bagdá logo se tornou não apenas um centro político e administrativo, mas também o centro de cultura e aprendizado.
Homens e mulheres de todas as partes do império afluíram para Bagdá e levaram com eles conhecimento de cantos longínquos do mundo conhecido na época.
Muçulmanos, judeus, cristãos, hindus, zoroastrinos e até pessoas de crenças mais obscuras viviam em Bagdá. Os livros começaram a simbolizar a vida de Bagdá. As ruas eram vivas com autores, tradutores, escribas, iluministas, bibliotecários, encadernadores, colecionadores e vendedores. Entretanto, essas pessoas de origens diversas precisavam estar conectadas. O árabe se desenvolveu como a língua da erudição e a conexão foi estabelecida.
Os trabalhos de Platão, Aristóteles, Ptolomeu e Plutarco, entre muitos outros, foram traduzidos para o árabe. Os filósofos judeus usavam as traduções em árabe dos trabalhos filosóficos gregos para escrever seus próprios tratados e artigos. Quando a Europa começou a emergir da Idade das Trevas em um período de iluminação, apoiou-se em livros escritos em árabe para resgatar e reclamar as fundações do império ocidental.
Muitos dos livros originais traduzidos em Bagdá foram perdidos ou destruídos em seus países de origem e sobreviveram somente em suas traduções em árabe. Os eruditos de Bagdá eram responsáveis pela preservação de trabalhos clássicos dos gregos, romanos e egípcios e até traduziram clássicos da Pérsia, Índia e China. Esses grandes trabalhos foram então traduzidos de volta do árabe para suas línguas de origem como o turco, o persa, o hebraico e o latim.O teólogo católico Tomás de Aquino fez sua famosa integração de fé e razão depois de ler a filosofia de Aristóteles em uma tradução feita por eruditos de Bagdá.
Os eruditos de Bagdá não apenas coletaram e sintetizaram os grandes trabalhos, mas também fizeram acréscimos ao corpo de conhecimento. Abriram novos campos de erudição, como mecânica celestial, e introduziram o mundo à álgebra e à geometria. Um erudito de Bagdá produziu um livro didático de oftalmologia, que se acredita tenha sido o primeiro livro médico contendo desenhos de anatomia. Foi o livro definitivo tanto no oriente quanto no ocidente e foi usado por mais de oito séculos.
Enquanto Bagdá se transformava em um centro de aprendizado, o califa Harun Al Rashid e seu filho, al-Mamun, abriram uma das mais renomadas usinas de ideias da história, a Bayt al Hikmah, ou Casa da Sabedoria. Os eruditos da Casa da Sabedoria, ao contrário de seus contrapartes modernos, não se “especializavam.” Al-Razi era um filósofo, matemático e também médico e al-Kindi escreveu sobre lógica, filosofia, geometria, cálculo, aritmética, música e astronomia. Entre seus trabalhos havia títulos como A razão porque a chuva raramente cai em certos lugares, A causa da vertigem e Cruzamentos híbridos de pombas.
O historiador al-Maqrizi descreveu a abertura da Casa da Sabedoria em 1004 EC. “Os estudantes assumiram sua residência. Os livros foram trazidos de muitas outras bibliotecas ... e o público foi admitido. Todos podiam copiar livremente o livro que desejassem e qualquer um que precisasse ler certo livro encontrado na biblioteca podia fazê-lo. Os eruditos estudavam o Alcorão, astronomia, gramática, lexicografia e medicina. O prédio era, além disso, adornado por tapetes e todas as portas e corredores tinham cortinas e gerentes, servos, porteiros e outros serviçais foram designados para manter a instituição.”[2]
Os livros sempre desempenharam um papel na vida de Bagdá. Na Bagdá do século 11 EC, um manuscrito “.... era do tamanho do livro moderno, contendo papel de boa qualidade com escrita em ambos os lados e encadernado com capas de couro.” Um livro mediano continha várias centenas de títulos, incluindo o Alcorão e comentários sobre o Alcorão, línguas e caligrafia, escrituras cristãs e judaicas, histórias, trabalhos do governo, relatos da corte, poesia pré-islâmica e islâmica, trabalhos de várias escolas de pensamento islâmico, biografias, astronomia, medicina grega e islâmica, literatura, ficção popular e guias de viagem (para a Índia, China e Indochina).[3]
Hoje, enquanto as bombas explodem ao seu redor e seu mundo cai em um abismo, o povo de Bagdá se apega à sua herança literária. Entre os escombros, os livreiros exercem seu negócio e os cidadãos de Bagdá fazem escolhas entre ler e comer. Isso, entretanto, não é surpresa, porque o Islã tem uma longa tradição de literacia. A primeira palavra do Alcorão revelada ao profeta Muhammad foi iqra - ler, aprender e compreender. Na parte dois faremos uma jornada de descoberta, para ver o que o Alcorão e as tradições autênticas do profeta Muhammad dizem sobre literacia e busca do conhecimento.
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