Como sabemos que Deus é Único? Uma perspectiva filosófica e teológica (parte 1 de 3)
Descrição: A existência de Deus e Sua Unicidade são conhecidos por meio de razão e revelação. A parte 1 explica por que deve haver uma causa para a existência do universo e que essa causa tem que ser única.
- Por Hamza Andreas Tzortzis
- Publicado em 13 Jun 2016
- Última modificação em 18 Jun 2016
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Uma das muitas perguntas comuns feitas durante o Islamic Awareness Tour foi: "Se Deus realmente existe, quais razões temos para acreditar que Ele seja único?" Essa pergunta é importante porque aborda um conceito fundamental na teologia islâmica, o conceito de unicidade de Deus. A unicidade de Deus, em árabe Tawhid, é um tema central no Alcorão e é a mensagem de todos os profetas. O Alcorão descreve de forma eloquente a natureza de Deus e Sua unicidade no capítulo 112: "Ele é Deus, o Único. Deus! O Absoluto! Não gerou e nem foi gerado. E ninguém se compara a Ele."
Antes de começar a responder à pergunta, é importante acrescentar que o conceito de unicidade no Islã não está limitado à singularidade de Deus. Existem muitos aspectos relacionados a esse conceito que envolvem a maneira como os humanos devem adorar a Deus, como devem compreender Seu senhorio e também Seus nomes e atributos. E não para por aqui, uma vez que essas ideias transformam a visão e perspectiva de mundo de um indivíduo, como um famoso pensador do subcontinente asiático escreveu uma vez:
"Quem crê nisso... não pode nunca ser limitado em sua perspectiva. Acredita em um Deus Que é o Criador dos céus e da terra, o Senhor do Oriente e do Ocidente e Sustentador de todo o universo. Depois dessa crença não considera nada no mundo como um estranho a si mesmo. Olha para tudo no universo como pertencente ao mesmo Senhor ao Qual ele mesmo pertence. Sua simpatia, amor e serviço não estão confinados a qualquer esfera ou grupo em particular. Sua visão é ampliada, seu horizonte intelectual se abre e sua perspectiva se torna tão liberal e tão ilimitada quanto o Reino de Deus. Como essa ampliação da visão e da mente podem ser alcançadas por um ateu, um politeísta ou alguém que crê em uma divindade que supostamente possui poderes limitados e deficientes como um homem?"
À luz disso existem muitas formas de responder à questão que se refere à singularidade de Deus, fornecendo dessa forma um caso positivo para a unicidade de Deus e que vão de argumentos teológicos a filosóficos. Apresentarei os 5 argumentos a seguir:
1.Navalha de Ocam
2.Argumento lógico
3.Diferenciação conceitual
4.Singularidade
5.Revelação
Navalha de Ocam
O Alcorão pergunta de maneira retórica: "O universo surgiu do nada?" A resposta parece muito óbvia devido à lógica metafísica e inegável de que o que passa a existir tem uma causa e, uma vez que o universo passou a existir, deve haver uma causa. Seria irracional apresentar mais de uma causa para o universo, já que é impossível um regresso infinito de causas. As razões para isso incluem o absurdo do infinito existir na realidade. Leve em consideração os exemplos a seguir:
1. Você tem um número infinito de pessoas em um ambiente. Se tirar duas, quantas sobram? A resposta é infinito menos dois. Entretanto, isso faz sentido? Se houver menos que um número infinito de pessoas em um ambiente, você deve ser capaz de contar esse número no mundo real. Mas você não consegue, porque em outras palavras, o infinito não faz sentido no mundo real. À luz disso, os matemáticos Kasman e Newman afirmam: O infinito certamente não existe no mesmo sentido em que dizemos "Existem peixes no mar"".
2. Imagine que sou um soldado e quero atirar em um inimigo. Para que eu atire, tenho que pedir permissão ao soldado atrás de mim, mas ele também tem que pedir permissão ao soldado atrás dele. Agora imagine que isso continua para sempre. Em outras palavras, por um período infinito de tempo. Conseguirei atirar no inimigo? A resposta é muito óbvia. Sob o mesmo ponto de vista, um regresso infinito de causas para o universo significaria que não existiria universo, em primeiro lugar.
Assim, a conclusão de que o universo tem uma única e independente causa não-causada parece muito plausível, mas você ainda pode apresentar uma pluralidade de causas, todas acontecendo ao mesmo tempo. É um argumento sólido? Creio que não seja um argumento forte, se levarmos a Navalha de Ocam em consideração. A Navalha de Ocam é um princípio filosófico atribuído ao lógico e frade franciscano do século 14, William de Ocam. Esse princípio ordena "Pluralitas non est ponenda sine necessitate" ou, "A pluralidade não deve ser apresentada sem necessidade." Em outras palavras, quanto mais simples e abrangente, melhor a explicação.
Em essência isso significa que na ausência de qualquer evidência ou necessidade para uma pluralidade de causas, devemos nos ater a explicação mais simples e abrangente. Nesse caso não temos evidência para dizer que a causa para o universo é uma combinação de duas, três ou até mesmo mil causas. Então, a explicação mais simples e abrangente é que essa causa seja única. Postular uma pluralidade de causas não acrescenta nada a abrangência do argumento. Em outras palavras, acrescentar mais causas não aprimoraria o poder ou escopo explanatório do argumento. Por exemplo, alegar que o universo foi causado por uma causa toda poderosa é tão abrangente quanto alegar que foi causado por duas causas todo poderosas. Porque uma causa toda poderosa é tudo que é requerido, simplesmente porque ela étoda poderosa.
Uma disputa a esse argumento é que se aplicássemos esse princípio às pirâmides no Egito, adotaríamos absurdamente a opinião de que foi feita por uma pessoa. Entretanto, essa é uma aplicação equivocada do princípio. Adotar a opinião de que as pirâmides foram construídas por uma pessoa não é, de fato, a explicação mais simples e abrangente, já que levanta mais perguntas do que respostas. Por exemplo: como um homem pode construir as pirâmides? É muito mais abrangente postular que foi construída por muitos homens. À luz disso, pode-se dizer que o universo é tão complexo que seria absurdo postular que foi criado por um único ser. Essa disputa, embora válida, está mal colocada. Um ser poderoso criar todo o universo é uma explicação muito mais coerente e simples do que uma pluralidade de causas. Agora, os críticos podem continuar e argumentar que as pirâmides podem, então, terem sido construídas por um ser todo poderoso. Mas o problema é que nadadentro do universo é um ser todo poderoso e, uma vez que as pirâmides foram construídas por uma causa eficiente (uma pessoa ou pessoas que agem), conclui-se que deve ser do mesmo tipo de causa.
Como sabemos que Deus é Único? Uma perspectiva filosófica e teológica (parte 2 de 3)
Descrição: A existência de Deus e Sua Unicidade são conhecidos por meio de razão e revelação. Parte 2 discute mais três argumentos racionais para a singularidade de Deus.
- Por Hamza Andreas Tzortzis
- Publicado em 13 Jun 2016
- Última modificação em 18 Jun 2016
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Argumento lógico
A lógica determina que seria um caos se houvesse mais de um Deus que criou o universo e não haveria o nível de ordem que encontramos no cosmos. Entretanto, você pode destacar que nosso carro foi feito por mais de um criador, uma pessoa ajustou os volantes, outra instalou o motor e outra o sistema de computador. Assim, a partir desse exemplo, pode haver mais de um criador e a coisa criada exibir ordem e estabilidade.
Para responder a esse argumento o que precisa ser compreendido é que a melhor explicação para as origens do universo é o conceito de Deus e não "projetista" ou "criador". Pode haver a possibilidade de múltiplos projetistas ou criadores, como destacado pelo exemplo do carro, mas não pode haver mais que um Deus. Isso porque Deus, por definição, é o ser que tem uma vontade ilimitada e imponente e se houver dois ou mais Deuses, isso significaria uma competição de vontades que resultaria em caos e desordem. Você pode argumentar que eles podem concordar em ter a mesma vontade ou cada um ter seu próprio domínio, mas isso significaria que suas vontades estão agora limitadas e passivas, e não seriam mais Deuses por definição!
Isso é bem explicado por Ibn Abi Al-Izz em seu comentário de ‘Aqeedah at-Tahawiyyah’:
"O argumento mais comum é conhecido como o argumento de exclusão. Esse argumento se desenvolve da seguinte forma. Se houver dois criadores e eles discordarem sobre algo, tal como um quisesse mover X, enquanto que outro não quisesse que isso se movesse, ou um quisesse fazer Y um ser vivo, enquanto que outro quisesse deixá-lo sem vida, então, falando logicamente, só existem três possiblidades. Primeiro, as vontades dos dois são ambas levadas adiante; segundo, somente a vontade de um deles é levada adiante; terceiro, a vontade de nenhum deles é levada adiante. O primeiro caso não é possível porque requer a existência de contrários. A terceira possibilidade também é excluída porque implicaria que um corpo se move e não se move e isso é impossível. Também implicaria que ambos são incapazes de levar adiante suas vontades, o que os desqualificaria de ser Deus. Finalmente, se a vontade de um é realizada e a do outro não, somente ele merecerá ser Deus e aquele cuja vontade não é realizada não pode ser considerado Deus.
Diferenciação conceitual
O que nos faz apreciar diferença e dualidade? Como diferenciamos entre duas pessoas caminhando na rua? A resposta reside no que se chama de diferenciação conceitual. Esses conceitos incluem espaço, distância, forma e características físicas. Leve em consideração o diagrama a seguir:
A razão pela qual você pode identificar dois objetos acima se deve às diferenças em cor, tamanho e forma, incluindo seu posicionamento. Em outras palavras, há uma distância entre eles. Na ausência desses conceitos você identificaria os dois objetos, ou quaisquer objetos? Não, porque esses conceitos são necessários para identificar qualquer número de entidades. Agora, uma vez que a causa do universo está fora do universo (se a causa fosse parte do universo, significaria que o universo criou a si próprio. Isso é absurdo, porque exigiria que o universo existisse e não existisse ao mesmo tempo!), você pode supor com segurança que não existem diferenciadores conceituais como distância, forma, cor e tamanho, porque esses conceitos só fazem sentido dentro do universo. Portanto, se não existem diferenciadores conceituais conhecidos não podemos alegar uma multiplicidade de causas, já que expliquei acima a impossibilidade de identificar pluralidade ou multiplicidade na ausência desses conceitos.
Uma vez que não existem conceitos para reconhecer uma pluralidade de causas, isso significa que não pode existir uma causa única? Não, porque se não houvesse causa para o universo então significaria que o universo, nas palavras de Bertrand Russell: "Simplesmente está lá e isso é tudo". Em outras palavras, significaria que o universo é infinito. Mas não pode ser o caso, como mencionado acima o universo começou a existir. Portanto, uma única causa independente é necessária racionalmente para explicar o fato de que o universo começou a existir e que uma pluralidade de causas não pode ser identificada devido à ausência de diferenciadores conceituais.
Singularidade
A causa do universo deve ser única, como diz o Alcorão: "Não há nada como Ele". Se a causa do universo não fosse única, significaria que existem algumas semelhanças entre a causa do universo e o universo em si. Isso não é possível, porque colocaria a causa do universo dentro do universo (se você define o universo como a soma de toda a matéria) e isso levaria a um absurdo, já que implicaria que o universo criou a si mesmo. Agora você pode perguntar: por que a causa do universo não pode se parecer com o universo? A resposta é direta: essa causa deve ser imaterial porque criou a soma de toda a matéria - que é o universo em si - e outro princípio que apoia isso é a primeira lei da termodinâmica, que afirma: "A energia não pode ser criada ou destruída". Colocando de forma simples, a energia (em outras palavras, a matéria) não pode criar a si mesma. Se a causa fosse material desafiaria esse princípio, já que significaria que matéria e energia criaram a si próprias. Então você pode concluir que a causa do universo deve ser imaterial e, portanto, única.
Como isso se relaciona com a unicidade de Deus? Bem, se houvesse mais de uma causa para o universo significaria que elas não são mais únicas. Entretanto, você ainda pode argumentar que pode haver duas causas imateriais e eu responderia: o que isso significa? Pareceria que você está violando a Navalha de Ocam e eu indicaria a você o primeiro argumento, como referência.
Como sabemos que Deus é Único? Uma perspectiva filosófica e teológica (parte 3 de 3)
Descrição: A existência de Deus e Sua Unicidade são conhecidos por meio de razão e revelação. Parte 3 explica que a Unicidade de Deus e Sua natureza é conhecida por meio de revelação.
- Por Hamza Andreas Tzortzis
- Publicado em 20 Jun 2016
- Última modificação em 20 Jun 2016
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Revelação
Uma maneira mais simples de fornecer evidência para a unicidade de Deus é se referindo à revelação. O argumento aqui é que se Deus Se anunciasse para a humanidade e se for possível provar que essa revelação veio Dele, então o que Ele menciona sobre Si mesmo obviamente é verdadeiro. As suposições ousadas, de uma perspectiva agnóstica pelo menos, são como você sabe que Deus Se anunciou para a humanidade e qual é a forma dessa revelação?
Tomemos primeiro a última suposição. Se Deus Se anunciou à humanidade existem apenas duas maneiras possíveis de descobrir: externamente e internamente. O que quero dizer com "internamente" aqui é que você pode descobrir quem é Deus exclusivamente pela introspecção e internalização e o que quero dizer por "externamente" é que pode descobrir quem é Deus via comunicação fora de si mesmo. Em outras palavras, é instanciado no mundo independente da mente. Descobrir sobre Deus internamente não é plausível pelas seguintes razões:
1. Seres humanos são diferentes. Têm o que os psicólogos chamam de "diferenças individuais". Essas diferenças individuais incluem DNA, experiências, contexto social, capacidades intelectual e emocional, diferenças de gênero, entre muitas mais. Essas diferenças desempenham um papel em sua habilidade de internalizar via introspecção ou intuição e, portanto, os resultados de introspecção ou apoio na intuição serão diferentes. Então, você pode ver que se esses processos fossem usados somente para descobrir sobre Deus, haveria diferenças inevitáveis em nossa concepção Dele. Isso é verdadeiro sob um ponto de vista histórico, uma vez que desde o mundo antigo 6.000 AEC existem registros de aproximadamente 3.700 nomes e conceitos diferentes para Deus!
2. Uma vez que o método usado para concluir que Deus existe é um método de "bom senso", ou o que os filósofos chamam de pensamento racional e os teólogos muçulmanos podem chamar de pensamento inato, tentar descobrir sobre Deus internamente levaria a falácias. Isso porque o que pode ser concluído usando o universo como evidência para uma causa independente transcendental é que deve ser eterna, única, poderosa e pessoal. Qualquer outra coisa seria especulação. O Alcorão menciona apropriadamente: "Por que falam de Deus o que não têm conhecimento?" Se você tentar e internalizar o que é Deus, seria equivalente a um rato tentando conceitualizar e pensar como um elefante. É óbvio que o ser humano não é eterno, único e poderoso e, portanto, o ser humano não pode conceitualizar quem é Deus. Deus teria que lhe dizer por meio de revelação externa.
Leve em consideração o exemplo a seguir: você sabe que Deus existe como a batida da porta. Você supõe com segurança que há algo lá, mas você sabe quem é? Se você não estava esperando ninguém, você grita: "quem é?" Para descobrir e a única maneira de descobrir é se a pessoa atrás da porta lhe diz. Então você pode concluir que se Deus disse ou anunciou qualquer coisa, deve ser externa ao ser humano.
Sob uma perspectiva islâmica essa comunicação externa é o Alcorão, já que é o único texto que reivindica ter vindo de Deus e que se encaixa nos critérios para um texto divino[1]. Esses critérios incluem:
1. Deve ser consistente com a conclusão racional e intuitiva sobre Deus. Por exemplo, se um livro diz que Deus é um elefante com 40 braços você pode supor com segurança que esse livro não vem de Deus, já que Deus deve ser externo ao universo.
2. Deve ser consistente interna e externamente. Em outras palavras, se diz na página 20 que Deus é um e então na página 340 diz que Deus é 3, seria uma inconsistência interna. Além disso, se o livro diz que o universo só tem 6.000 anos seria uma inconsistência externa, já que sabemos pela realidade que o universo tem mais de 6.000 anos.
3. Deve haver indicações à transcendência. Em termos simples, deve haver evidência para mostrar que é de Deus.
No caso do Alcorão - e esse artigo não é o local para discutir isso em profundidade - não pode ser explicado de maneira natural e, portanto, explicações sobrenaturais são as melhores. Algumas dessas indicações incluem:
a. A inimitabilidade linguística e literária
b. Existem registros históricos que não podem ter sido de conhecimento do homem na época da revelação
b. Existem algumas descrições de fenômenos naturais que não podem ter sido de conhecimento do homem na época da revelação
Para concluir, uma vez que a única forma de saber o que Deus anunciou para a humanidade é por meio de revelação externa e pode ser provado que o Alcorão é essa revelação - então o que ele diz sobre Deus é verdadeiro. No contexto dessa discussão o Alcorão diz: "Sabei que o Senhor seu Deus é Único".
Conclusão
Esses são alguns dos argumentos que podem ser usados para mostrar que Deus é único. Entretanto, esse tópico - uma vez totalmente compreendido - terá alguns efeitos profundos sobre a consciência humana. A unicidade de Deus não está relacionada apenas com o fato de que Ele é único, mas se refere a Sua adoração, senhorio, nomes e atributos, algo que só pode ser saboreado ponderando sobre a realidade, meditando sobre o significado do Alcorão e se tornando uma manifestação de sua mensagem.
Notas de rodapé:
[1] IslamReligion.com: O Alcorão é a única Palavra inalterada de Deus. As revelações anteriores de Deus foram perdidas ou alteradas.
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