Juros e Seu Papel na Economia e na Vida (parte 3 de 8): Religião e os Primeiros Pensadores
Descrição: Juros e usura na Bíblia (Judaísmo e Cristianismo) e de acordo com os primeiros pensadores.
- Por Jamaal al-Din Zarabozo (© 2011 IslamReligion.com)
- Publicado em 27 Jun 2011
- Última modificação em 27 Jun 2011
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O Islã, claro, não é a única religião que baniu os juros e os considerou uma prática desprezível. A proibição dos juros – pelo menos até certo ponto – é bem conhecida tanto no Velho quanto no Novo Testamento da Bíblia. Em vários lugares no Velho Testamento são feitas referências à “usura” ou “juros”. (Novamente, usura e juros costumavam ser equivalentes, mas com o passar do tempo usura passou a significar quantia exorbitante ou ilegal de juros. Assim, como será destacado abaixo, a American Standard Version da Bíblia repetidamente alterou na Versão do Rei James usura para juros).
Deuteronômio 23:19-20 diz:
“Não emprestarás com usura a teu irmão nem dinheiro, nem grão, nem outra qualquer coisa que seja, mas somente ao estrangeiro. A teu irmão porém emprestarás o que ele houver mister, sem daí tirares algum interesse, para que o Senhor teu Deus te abençoe em tudo o que fizeres na terra, em cuja posse estás para entrar.” (Versão do Rei Jaime).[1]
Da mesma forma, Êxodo 22:25 afirma:
“Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como credor; não lhe imporás juros.” (Versão do Rei Jaime).
Em Levítico 25:37 se lê:
“Não lhe darás teu dinheiro a juros, nem os teus víveres por lucro.” (Versão do Rei Jaime).
Em Jeremias 15:10, o profeta reclama de estar sendo amaldiçoado embora nunca tenha feito nada como cobrar juros, significando que essas maldições seriam apropriadas para ele se fosse alguém que cobrasse juros. Talvez um dos versos mais duros no Velho Testamento com relação aos juros seja Ezequiel 18:13:
“Empreste com usura, e receba mais do que emprestou; porventura viverá ele? Não viverá! Todas estas abominações, ele as praticou; certamente morrerá; o seu sangue será sobre ele.”
Existem ainda outros versos do Velho Testamento que indicam a proibição de juros, mas o que foi apresentado acima deve ser suficiente.[2] O Dicionário Bíblico de Easton resumiu a Lei Mosaica com relação a juros na seguinte passagem:
A Lei Mosaica exigia que quando um israelita precisasse tomar emprestado, o que pedisse fosse emprestado a ele e nenhum juro devia ser cobrado, embora os juros pudessem ser cobrados de um estrangeiro (Êxodo 22:25; Deuteronômio 23:19-20; Levítico 25:35-38). No fim de sete anos todos os débitos eram perdoados. Entretanto, de um estrangeiro o empréstimo podia ser cobrado. Em um período posterior da comunidade hebraica, quando o comércio aumentou, a prática da usura ou cobrança de juros sobre empréstimos, e de fiança no sentido comercial, cresceu. Ainda assim a sua cobrança de um hebreu era considerada vergonhosa (Salmos 15:5; Provérbios 6:1,4; 11:15; 17:18; 20:16; 27:13; Jeremias 15:10).
Infelizmente, como é o caso em questões práticas, o Novo Testamento é de certa forma vago sobre os juros. De acordo com The Encyclopedia of Religion and Ethics (Enciclopédia de Religião e Ética, em tradução livre), “não existem preceitos diretos [relacionados aos juros] para orientar a consciência cristã.” [3] Entretanto, nos ensinamentos atribuídos a Jesus no Novo Testamento, existem algumas passagens que parecem ser claramente contra a prática de juros. Em uma passagem, relata-se que Jesus disse:
“Amai, porém a vossos inimigos, fazei bem e emprestai, nunca desanimado; e grande será a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os integrantes e maus.” (Lucas 6:35).
Nessa passagem é dito aos cristãos para emprestarem dinheiro sem esperar receber o principal novamente. Essa pode ser considerada um dos “ditos difíceis” e, como é bem conhecido, os sábios cristãos diferem em como essas passagens devem ser interpretadas e implementadas.[4]
Em Mateus 25: 14-28 existe uma longa parábola na qual Deus dá quantidades diferentes de moedas (chamadas “talentos”) a vários servos. Alguns deles investem o dinheiro e devolvem mais do que Deus lhes deu. Entretanto, a pessoa a quem Deus deu apenas uma dessas moedas é descrita no verso 18:
“Mas o que recebera um foi e cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.”
Quando Deus chamou de volta Seus servos e perguntou o que tinham feito com o dinheiro, o que recebeu apenas um talento afirmou a Deus:
“Chegando por fim o que recebera um talento, disse: Senhor, eu te conhecia, que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste, e recolhes onde não joeiraste; e, atemorizado, fui esconder na terra o teu talento; eis aqui tens o que é teu.” (Mateus 25: 24-25).
O Senhor então o repreendeu severamente:
“Ao que lhe respondeu o seu senhor: Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei, e recolho onde não joeirei? Devias então entregar o meu dinheiro aos banqueiros e, vindo eu, tê-lo-ia recebido com juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai ao que tem os dez talentos.” (Mateus 25:26-28).
Ao comentar sobre essa passagem a Bíblia de Estudos de Genebra, afirma:
Os banqueiros que têm suas lojas ou filiais no exterior, onde emprestam dinheiro a juros. A usura ou empréstimo de dinheiro a juros é estritamente proibido pela Bíblia (Êxodo 22:25-27; Deuteronômio 23:19-20). Mesmo uma taxa tão baixa quanto um por cento foi proibida (Neemias 5:11). Esse servo já tinha contado duas mentiras. Primeiro, disse ao mestre que era um homem austero ou severo. Era uma mentira porque o senhor era misericordioso e gracioso. Depois chamou seu mestre de ladrão porque colheu onde não semeou. Finalmente o mestre disse a ele sarcasticamente: por que não acrescenta insulto à injúria e empresta dinheiro a juros para poder chamar seu mestre de “usurário” também! Se o servo tivesse feito isso, seu mestre seria responsável pelas ações e culpa de usura do servo.
Com base no Velho e Novo Testamentos, os primeiros concílios da igreja proibiram os juros. Por fim, todos os cristãos foram proibidos de se envolverem com juros, não apenas o clero. Os patriarcas cristãos, como São Tomás de Aquino[5], lidaram com a questão dos juros com algum detalhe. “No Decreto de Graciano, como subsequentemente no Terceiro Concílio de Latrão (1179), um cânone determinou que “usurários manifestos não deviam ser admitidos para comunhão, nem receberem enterro cristão, se morressem em seu pecado.” [6] O Quarto Concílio de Latrão de 1215 condenou a prática, mas a permitiu para os judeus. Os católicos permaneceram firmemente contra os juros até o século 19. Martim Lutero do século 16, o líder protestante, também condenou a usura mas, alega-se, que a permitiu sob o pretexto da fraqueza humana.[7] Calvino, mais do que ninguém, foi o começo de uma visão mais suave em relação aos juros entre os líderes cristãos. Lentamente a legislação civil se libertou da Lei Canônica e os juros começaram a ser institucionalizados com o passar do tempo.
Os pensadores judaico-cristãos não foram os únicos que condenaram os juros. De fato, os filósofos gregos também adotaram uma visão muito negativa sobre os juros. Aristóteles e outros sábios gregos de destaque condenaram os juros. O famoso economista austríaco Eugen von Böhm von Bawerk (também conhecido como Boehm-Bawerk), escreveu em seu importante trabalho Capital and Interest (Capital e Juros):
As expressões hostis do mundo antigo, que não eram poucas, consistem em parte de um número de atos legislativos que proibiam cobrar juros e em parte à declaração casual de filósofos como Platão, Aristóteles, os dois Catão, Cícero, Sêneca e Pantus, etc. Os filósofos gregos consideravam o dinheiro como um meio de troca e, consequentemente, negavam a produtividade de empréstimos. Um pedaço de dinheiro não pode gerar outro pedaço, era a doutrina de Aristóteles. A conclusão óbvia é que os juros eram injustos.[8]
Inicialmente o Império Romano também proibiu a cobrança de juros. Com o surgimento das classes mercantis isso foi amenizado um pouco, mas ainda existiam restrições severas sobre cobrança de juros e também leis para proteger devedores.
O personagem Shylock de Shakespeare em O Mercador de Veneza (escrito pouco antes do ano 1600) demonstra o quanto os agiotas eram desprezados. Levanta-se a questão óbvia de como os juros passaram de um ato desprezado e proibido a socialmente aceitável e prática institucionalizada no Ocidente.
Footnotes:
[1] Todas as citações da Bíblia, comentários bíblicos ou dicionários bíblicos do artigo original em inglês são, a menos que mencionado de outra forma, da The Bible Collection CD (ValueSoft, 2007).
[2] Cf., Salmos 15:1-5; Ezequiel 18:5-9 e Provérbios 28:8. O Velho Testamento também verifica que embora os judeus fossem proibidos de cobrar juros, com frequência eram culpados de recaírem nesse ato. Ver Neemias 5:6-7 e Ezequiel 22:12.
[3]Citado de Abdelmoneim El-Gousi, “Riba, Islamic Law and Interest” (Riba, Lei Islâmica e Juros”, em tradução livre) (Dissertação de Ph.D., Temple University, 1982), p. 113.
[4] Esses ditos representam um código perfeccionista, um ideal impossível, “ética interina” ou alguma outra coisa? Os sábios cristãos não foram capazes de chegar a um acordo sobre a resposta a essa questão. Cf., Lisa Sowle Cahill, Love Your Enemies: Discipleship, Pacifism, and Just War Theory (“Ame Seus Inimigos: Discipulado, Pacifismo e a Teoria da Guerra Justa”, em tradução livre) (Minneapolis, MN: Fortress Press, 1994), p. 27.
[5] Uma análise dos pensamentos de Aquino sobre juros podem ser encontrados em Economics, Ethics and Religion: Jewish, Christian and Muslim Economic Thought (“Economia, Ética e Religião: Pensamento Econômico Judaico, Cristão e Muçulmano”, em tradução livre) de Rodney Wilson (Washington Square, Nova Iorque: New York University Press, 1997), pp. 82-85. Na realidade, entretanto, como muito do pensamento cristão sobre a guerra justa, Aquino foi fortemente influenciado pelo pensamento pré-cristão grego e romano.
[6] El-Gousi, p. 114.
[7] Cf., Anwar Iqbal Qureshi, Islam and the Theory of Interest (“Islã e a Teoria dos Juros”, em tradução livre) (Lahore, Paquistão: Sh. Muhammad Ashraf Publications, 1974), p. 8.
[8] Boehm Bawerk, Capital and Interest (“Capital e Juros”, em tradução livre) (1959), Vol. I, pp. 10-11, citado de Afzal-ur-Rahman, Economic Doctrines of Islam (“Doutrina Econômica do Islã”, em tradução livre) (Lahore, Paquistão: Islamic Publications Limited, 1976), vol. III, p. 11. Ver também Qureshi, p. 6; El-Gousi, p. 114.
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